“Faça do seu protesto, seu protótipo” – Um olhar sistêmico para ESG, com Alexie Sommer
A urgência de um novo olhar para ESG
Por Verena Pessim | 05 de março, 2025
Alexie Sommer
Entrevistei a Alexie na semana das eleições dos Estados Unidos, uma semana intensa para todas as pessoas que buscam construir um mundo com menos desajustes sócio-ambientais. Alexie, trouxe uma visão sistêmica e me deu um banho de inspiração e de esperança.
Alexie Sommer nos incentiva a considerar profundamente o mundo que habitamos, para Alexie, ESG não é apenas um conjunto de métricas corporativas, mas parte da nossa conexão com as pessoas e o planeta - também acreditamos nisso! Para ela, a solução está em ações colaborativas, conscientes e uma maior conexão com a natureza em si, como ela mesma disse “o problema começa na própria forma como pensamos a natureza, no vocabulário corporativo, tudo se resume a ‘recursos’.
Alexie é inglesa, vive na França e aproveitei para entender um pouco mais sobre como ESG está sendo discutido na Europa, para mapear no que podemos ficar de olho e aproveitar aqui, em terras brasileiras.
O problema começa na própria forma como pensamos a natureza, no vocabulário corporativo, tudo se resume a ‘recursos’.
- Alexie Sommer
Sobre nossa entrevistada
Alexie Sommer é designer estratégica, pensadora sistêmica e especialista em comunicação, com mais de 20 anos de experiência em negócios regenerativos e sustentabilidade. Co-fundadora da URGE e da Think Sketch Design, também co-idealizou o Design Declares, movimento que une designers e instituições em resposta à emergência climática.
Reconhecida pelo órgão britânico Design Council como especialista em Design for Planet, Alexie usa criatividade e métodos sustentáveis para transformar indústrias, colaborando no desenvolvimento de estratégias baseadas em dados e atuando como mentora na interseção entre design, sustentabilidade e comunicação autêntica.
A seguir, trago um pouco do que conversamos.
Verena (Meio): Como você definiria ESG para alguém que não sabe nada sobre o assunto?
Alexie: ESG vem do mundo corporativo, mas pode ser traduzido de forma simples. Como seres humanos, fazemos parte da natureza e dos ecossistemas. Então:
Ambiental (o E de ESG): Compreender nosso papel dentro dos sistemas ambientais.
Social (o S de ESG): Reflete como tratamos e respeitamos as pessoas e o que constitui boas relações humanas.
Governança (o G de ESG): Trata de como nos organizamos coletivamente e conduzimos a vida de forma ética.
Em inglês, a definição que temos no dicionário de “natureza” nos separa dela, como se fôssemos opostos ao mundo natural. No Reino Unido, há um movimento para mudar essa visão, pois essa separação é absurda. No meio corporativo, tudo se resume a “recursos”.
E a questão é maior do que empresas. Estamos desenhando o futuro e a pergunta central é: para que e para quem estamos desenhando?
Para Alexie, o design precisa ir além da estética. Designers devem ser facilitadores, colaborando com cientistas, reguladores, CEOs e comunidades para criar soluções realmente sustentáveis.
"Tudo o que tocamos teve uma pessoa designer envolvida. Mas poucos percebem o real impacto do design na sociedade."
- Alexie Sommer
A importância da ação coletiva
Um dos projetos mais impactantes da sua carreira é o Design Declares, plataforma que conecta profissionais comprometidos com sustentabilidade e promove eventos e workshops para troca de conhecimento e a construção coletiva de soluções.
“Não temos todas as respostas sozinhos, mas, coletivamente, podemos encontrar caminhos. ESG é complexo e exige um olhar de muitas perspectivas.”
Além disso, Alexie acredita que todas as pessoas, independentemente da profissão, devem conhecer mais sobre os sistemas naturais.
Mas quando pergunto sobre o projeto mais importante da sua vida, ela não hesita: “Ser mãe. Ensino meu filho a cultivar, criar com as mãos, construir relações. Só saberei daqui a alguns anos se fiz um bom trabalho.”
Europa vs. América Latina: como ESG evolui?
Verena (Meio): Quais diferenças você percebe na evolução do ESG na Europa e na América Latina?
Alexie: O grande desafio é que as corporações agora querem e precisam “fazer o bem”, mas ESG ainda parece uma responsabilidade de poucos. Para funcionar, precisa envolver todo mundo, e isso requer grandes mudanças no jeito que as empresas operam hoje.
No cenário ideal, todos dentro de uma empresa teriam alguma conexão com ESG, em vez de existir um setor isolado. “Minha visão é que ESG não deve ser um departamento separado, mas algo integrado à organização como um todo.”
Na União Europeia, a regulamentação avançou. A Eco Design Product Regulation introduzida no ano passado, estabelece padrões ISO para circularidade e cria um framework de due diligence para empresas que operam dentro desse modelo. (Due diligence é um processo de verificação detalhada feita antes de fechar um negócio.)
Outra mudança importante é a exigência de um digital product passport—um “passaporte de produto digital” que permite rastrear o ciclo de vida e descarte dos produtos. Esse conceito transforma a forma como designers pensam sobre o fim dos projetos desde o início.
Medição x ação: onde está o foco?
Ela nos conta que regulamentações como o novo esquema de taxação de carbono da Europa, o CBAM ou Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira, exigem que produtos importados passem por uma avaliação da pegada de carbono. No entanto, há uma falha: os cálculos geralmente começam na fase do fornecedor de materiais, ignorando impactos cruciais, como o desmatamento e a perda de biodiversidade durante a extração da matéria-prima.
"As pessoas estão muito focadas em medir e calcular, mas há pouca ação real para reduzir as emissões na escala que precisamos."
- Alexie Sommer
Alexie acredita que a discussão precisa ir além das métricas, focando na compreensão das falhas do sistema e na criação de soluções simples. Tomemos como exemplo as empresas de logística, que frequentemente enviam caminhões meio vazios para uma entrega e os fazem retornar sem carga. Nesse caso, pequenas mudanças operacionais, apoiadas por tecnologia, poderiam reduzir significativamente o impacto ambiental.
Resistência e futuros possíveis
Verena (Meio): O planeta está passando por mudanças urgentes. Para onde você acha que está caminhando?
Alexie: Estamos conversando um dia após a posse de Trump. Se olharmos para a política global, podemos facilmente cair no desespero, parar o que estamos fazendo e talvez buscar outro caminho. Mas precisamos de mais engajamento cidadão.
Se isso está acontecendo nos EUA, precisamos boicotar produtos americanos. Os EUA sempre foram um país de excessos, e essa mentalidade precisa mudar.
Também precisamos nos afastar da obsessão com modelagem de carbono. As pessoas estão focadas demais em medir e calcular, mas há pouca ação real para reduzir as emissões. Claro que a modelagem é necessária, mas o mais importante é agir.
“Trata-se de entender os sistemas e torná-los mais eficientes. Precisamos ser mais cuidadosos e responsáveis com os recursos, e investir em soluções baseadas na natureza.”
“Minha reação é: ‘Vive la résistance!’ Viva a resistência!! Precisamos nos conectar, contar histórias, encontrar plataformas que amplifiquem vozes e ações."
Alexie Sommer
Verena (Meio): Diante de tantos desafios, como seguir sem desanimar?
Alexie: “Minha reação é: ‘Vive la résistance!’ Viva a resistência!! Precisamos nos conectar, contar histórias, encontrar plataformas que amplifiquem vozes e ações.”
Os designers, especialmente, têm uma grande responsabilidade no storytelling. Suas narrativas são ferramentas poderosas para conscientizar e mobilizar.
“Trata-se de poder cidadão, de reunir pessoas e explicar por que isso é um problema.”
Ela também critica a concentração de riqueza e, consequentemente, de poder entre os bilionários e defende uma mídia independente, livre de interesses corporativos.
Apesar dos desafios, ela mantém a perspectiva otimista:
“A tecnologia não vai nos salvar. Mas a humanidade, combinada com boas ferramentas tecnológicas, pode fazer um grande trabalho.”
- Alexie Sommer
Entre tecnologia e humanidade
Alexie reconhece o potencial da tecnologia, mas alerta que ela, sozinha, não resolverá nossos problemas. Inteligência artificial pode acelerar soluções sustentáveis, mas precisa ser usada de forma ética e inclusiva.
“A tecnologia não vai nos salvar. Mas a humanidade, combinada com boas ferramentas tecnológicas, pode fazer um grande trabalho.”
Ao final da entrevista, ela deixa um recado para quem deseja transformar o mundo:
Se você acredita em algo, transforme isso em ação. Faça do seu protesto, seu protótipo.
- Alexie Sommer